Estado pretende direcionar R$ 4,8 bilhões para empresas privadas realizarem manutenções, limpeza e reformas em escolas por um prazo de 25 anos
A forte rejeição ao projeto de Parceria Público-Privada (PPP) imposto pelo Governo do Estado foi o tema principal de dois encontros que ocorreram na manhã e noite desta quarta-feira (14), na sede da escola Estadual Professor Oscar Pereira, no bairro Cascata, em Porto Alegre. Os eventos organizados pelo 39º núcleo do Cpers discutiram com professores, trabalhadores e pais de estudantes as características do projeto – considerado um retrocesso sem precedentes na gestão da educação no território gaúcho.
Durante a manhã, o encontro também contou com a presença da presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, deputada Sofia Cavedon (PT), a deputada estadual Luciana Genro (PSOL), além do vereador Jonas Reis (PT), vice-presidente da Comissão de Educação da Câmara. À noite, além do corpo docente, participaram alguns estudantes da EJA e um assistente social.
Ao abordar as principais diretrizes da proposta, a diretora-geral do 39º núcleo, Neiva Lazzarotto destacou que o Estado pretende contratar empresas privadas para gerenciar reformas, ampliações, manutenções e prestação de serviços em 99 escolas gaúchas de 15 municípios, dentre eles Porto Alegre. O projeto contempla três lotes de escolas com 33 instituições de ensino cada, cujo valor de investimento total é de R$ 4,8 bilhões. O prazo de concessão é de 25 anos a partir da assinatura do contrato.
Neiva salientou que o projeto representa a verdadeira intenção do governo em entregar os bens públicos para a iniciativa privada e terceirizar as responsabilidades na gestão do ensino – assim como ocorreu com a privatização da CEEE em março de 2021, na qual a empresa foi leiloada por um valor de apenas R$ 100 mil.
Conforme Neiva, ao invés de investir diretamente no ensino visando corrigir a situação precária e de abandono de escolas em todo o território gaúcho, o governo opta por direcionar esses recursos para empresas que somente visam o lucro e não têm qualquer responsabilidade com a educação.
Ela comenta ainda que esse projeto está sendo imposto às instituições de ensino e não houve consulta às escolas.
“Como as escolas se mantém até hoje? O governo repassa um dinheiro mínimo para os custos gerais. Mesmo sendo pouco, as equipes diretivas fazem milagre com esses recursos. Aí agora eles querem conceder administrativamente a realização de obras e os “serviços não-pedagógicos”, como merenda e limpeza, sem consultar as escolas. Agora imagine esse valor dividido entre as escolas diretamente o que as direções seriam capazes de fazer”, salienta Neiva.
Professores e comunidade também rechaçam privatização
Os relatos de professores, mães e pais de alunos que vivem diariamente o cotidiano da escola e acompanham as suas principais dificuldades chamaram a atenção. A diretora da instituição de ensino, Semiramis Ferreira Carvalho, que é contrária à privatização, conta que historicamente existe falta de investimento e de maior atenção do Estado com relação às demandas.
“Nós temos uma supervisão precária e total falta de atenção do Estado. As nossas necessidades não são atendidas. Sempre peço que venham conhecer as dificuldades de nossa escola, pois faltam professores e estrutura adequada”, lamenta a diretora.
Uma das mães de alunos, Andreia Aguirre, também considera um retrocesso a concessão. Ela se emocionou ao comentar sobre o trabalho pedagógico de acolhimento efetuado pela equipe docente com seu filho adolescente.
“Meu filho estuda há nove anos aqui, e mesmo com problemas de comunicação ele tem um amplo respeito dos professores e dos trabalhadores. Ele vai se formar aqui assim como os meus dois outros filhos que também se formaram aqui. O carinho e o respeito que ele tem aqui não encontra em outro lugar”, diz Andreia.
Uma professora de educação física também se emocionou ao se manifestar com relação às dificuldades de materiais e estrutura para as aulas. “Faz três meses que estou aqui e saio todos os dias de casa pensando em como fazer o melhor com o pouco que temos. Só que é difícil, tem três aulas pra dar em um pátio que não tem gente pra limpar, que não tem espaço físico. A quadra tem um problema simples que só pela burocracia não está sendo resolvido. Aí vem alguém e interdita a quadra para fazer uma obra mirabolante, quando a reforma é muito simples”, destacou.
Outra representante do bairro, Josina Marcelino, lembrou com saudosismo de outros tempos nos quais a escola era mais valorizada e os alunos sentiam mais prazer em estudar. Ela lembra que a mobilização da comunidade é fundamental, a exemplo de uma manifestação liderada por ela para garantir a manutenção da escola de educação infantil na localidade.
“Eu sou moradora da comunidade processada pelo Hospital Divina Providência porque eu fechei a rua para defender a permanência da escolinha em nosso bairro. Eu tenho orgulho de dizer que a juíza concordou comigo ao dizer que estávamos defendendo mais de duzentas crianças”, lembra.
Parlamentares defendem gestão pública e democrática de escolas
A deputada estadual Sofia Cavedon comenta que o projeto ainda abre possibilidade que os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) sejam repassados para a iniciativa privada.
“O Fundeb pode ser um fundo de garantia para a manutenção desse projeto. É um movimento de entregar fatias de onde gira o recurso público para as empresas lucrarem. Eles abandonam as escolas para depois terceirizar, e sabemos bem como isso ocorre. Com essa ideia mirabolante da terceirização do administrativo das escolas, não temos garantia de como vai ocorrer o controle sobre a atuação da empresa. Quem vai saber onde vai todo o dinheiro? Eles não conseguem controlar sequer as atuais licitações. Essa proposta tem furos por todos os lados”, ressalta a parlamentar.
Para a deputada Luciana Genro, a vinculação de uma empresa que busca obter lucros ao segmento da educação é algo temerário, uma vez que não existe um compromisso em prestar um serviço de qualidade para a população.
“A educação é vista como uma oportunidade de negócio. Os governos neoliberais como o de Leite sempre estão tentando fazer isso com os bens públicos, abocanhando os setores que estavam na mão do Estado e transformando em fonte de lucro. A educação é o novo nicho que eles estão buscando para incrementar os ganhos. Eles sucateiam a área pública – como fizeram com a CEEE e a Corsan – para criar na população um sentimento de que o Estado não funciona e deveria ser entregue para a iniciativa privada”, explica a parlamentar.
O vereador Jonas Reis, ao destacar a importância da escola para a comunidade, explicou os motivos pelos quais a privatização não apresenta resultados eficazes para a população. Conforme Jonas, existe uma tendência de depreciação cujo principal objetivo é economizar gastos por parte da empresa contratada. Um dos exemplos, segundo ele, é a privatização de mais de cem postos de saúde em Porto Alegre.
“A privatização não dá certo. Aqui no município três grandes empresas assumiram cem postos de saúde e agora faltam itens básicos para entregar às pessoas, como gazes e medicamentos. Isso ocorre por quê? Porque quanto menos entregar para as pessoas, a taxa de lucro aumenta. Isso também vai acontecer nas escolas. Eles vão adquirir itens de baixa qualidade para expandir os seus lucros”, explica.
Caso os valores totais do projeto de privatização fossem divididos diretamente entre as 99 escolas contempladas, o recurso destinado a cada uma delas seria de R$ 48,4 milhões.
A previsão é que novas mobilizações sejam feitas junto às escolas nas próximas semanas para barrar a implementação do projeto. A consulta pública aberta para avaliação do modelo está disponível nesse link até a próxima segunda-feira, dia 19 de agosto.
